domingo, 13 de janeiro de 2008

Eu procuro Deus

"Não ouviram falar daquele louco que, à luz clara da manhã, acendeu uma lanterna, correu pela praça do mercado e se pôs a gritar incessantemente: «Eu procuro Deus! Eu procuro Deus!». Estando reunidos na praça muitos daqueles que, precisamente, não acreditavam em Deus, o homem provocou grande hilaridade. «Será que se perdeu?» dizia um. «Será que se enganou no caminho, como se fosse uma criança?» perguntava outro. «Ou estará escondido?» «Terá medo de nós?» «Terá embarcado?» «Terá partido para sempre?», assim exclamavam e riam todos ao mesmo tempo. O louco saltou para o meio deles e trespassou‑os com o olhar: “Onde está Deus?”, gritou ele, “digo‑vos! Matámo‑lo – vós e eu! Somos todos os seus assassinos! Mas como foi que fizemos isso? Como fomos capazes de esvaziar o mar? Quem nos deu a esponja com que apagámos o horizonte inteiro? Que fizemos, ao desamarrarmos esta terra do seu sol? Para onde irá agora a terra? Para onde nos levará o seu movimento? Para longe de todos os sóis? Não nos teremos precipitado numa queda sem fim? Uma queda para trás, para o lado, para a frente, para toda a parte? Haverá ainda um em cima e um em baixo? Ou não erraremos através de um nada infinito? Não sentimos já o sopro do vazio? Não está mais frio? Não é sempre noite sem descanso e cada vez mais noite? Não teremos que acender as lanternas desta manhãzinha? Não ouviremos nada além do ruído dos coveiros que enterraram Deus?”

In: Nietzsche, A Gaia Ciência [Die fröhliche Wissenschaft] , § 125

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